Um depoimento sobre a tragédia de Hiroshima.

O texto a seguir é um depoimento fornecido em 1975 por Shinji Mukai, sobrevivente da bomba atômica lançada pelos Estados Unidos sobre Hiroshima. Na época com 45 anos de idade e residente em São Paulo há 21 anos, ele deu esse depoimento ao repórter Antonio Biancarelli, da revista Veja.


Eu tinha 15 anos de idade quando a bomba caiu. Trabalhava numa fábrica de espoletas e bombas navais, a três quilômetros do centro de Hiroshima – no inicio da guerra eu era estudante, mas, quando a situação no Japão se agravou em 1944, todos os estudantes passam a trabalhar. (...)

No dia 6 de agosto de 1945, eu e (meu irmão) Shoji saímos para trabalhar, por volta das 7 horas (...). Estava tudo tranqüilo, como todos os dias. De repente, ouvi um barulho grande, que não sabia se era de bomba ou da fábrica desabando. Lembrando-me que fui arremessado a vários metros, mas só percebe isso ao acordar, tempos depois. Só tive forças para gritar. Um pouco mais tarde, quatro trabalhadores que estavam fora da fábrica na hora da explosão me encontraram e me arrastaram para fora. Estava com três costelas quebradas. Minha roupa estava coberta de sangue – é que a maquina em que trabalhava tinha tombado sobre meu companheiro, esmagando-o. O sangue era dele. Quando dos escombros, pensei que tinha morrido. Não conseguia entender nada, a fumaça cobria tudo e havia um cheiro forte que nunca havia sentido. O centro da cidade era uma imensa fogueira. Ainda pensei nos meus pais, mas logo entendi que nunca mais os encontraria. Meus companheiros queriam fugir, mas ninguém sabia em que direção, por causa da fumaça. Então alguém se lembrou dos trilhos do bonde. Seguindo por eles, uns quatro ou cinco quilômetros, a gente sai num campo de treinamento militar, próximo do mar, onde havia também o hospital militar. Fomos seguindo os trilhos. Já estávamos quase chegando uma chuva preta começou a cair. Parecia pólvora de granada molhada, com um cheiro muito forte. Quando chegamos ao campo, havia mais de cinco mil pessoas feridas espalhadas, muitas quase mortas. Soube depois que, dos 2 mil operários da fábrica onde trabalhava, mais de 1700 morreram na hora da explosão.

Extraído de: Adhemar Marques e outra História contemporânea através de textos. São Paulo, Contextos, 1994. P. 142-3.

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