Reportagem da VEJA, Setembro de 1943

Nazistas agora usam cobaias humanas em abomináveis experimentos ditos médicos nos campos de concentração
- Os prisioneiros são submetidos a técnicas brutais e sem nenhum fundamento científico pelos cruéis professores


Cobaias congeladas: o professor Sigismund Rascher (à dir.) faz 'experimentos' em Dachau
"Juro, por Apolo médico, por Esculápio, Hígia e Panacea, e tomo por testemunhas
todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo o meu poder e minha razão,
a promessa que se segue (...) Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o
meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém
darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda."

Juramento de Hipócrates
ivulgado no último dia 2 pelo Ministério do Interior em exílio da Polônia, o documento que acusa os médicos do Reich de usar cobaias humanas para experimentos em campos de concentração está correndo o mundo e deixando estupefata a comunidade internacional. É bem verdade que, a essas alturas, já não deveria mais ser surpresa ou novidade a notícia de atrocidades cometidas pelos homens de Adolf Hitler - vide o estrago causado por pelotões de execuçãoEinsatzgruppen nos territórios ocupados. Entretanto, os relatos das experiências ditas médicas levadas a cabo no campo de Ravensbruck, próximo a Mecklemburg, e em Dachau, na vizinhança de Munique, são parte integrante dos capítulos mais aterrorizantes do almanaque das crueldades humanas.

Em Ravensbruck, os tentâmenes medicinais do professor Julius Gepphard e equipe já aleijaram e mataram dezenas de prisioneiros. A remoção de ossos, músculos e nervos para a observação de possível regeneração são uma das vertentes empíricas analisadas pelos germânicos no local. Em sessões que duram até três horas, os ossos dos membros inferiores das cobaias são quebrados em vários pontos, reagrupados e envolvidos por uma tala - que por sua vez é removida antes que os ossos estejam reduzidos, a fim de se observar a evolução regenerativa e as possíveis modalidades de cura. Tudo isso, ressalte-se, sem anestesia.

Outra área de pesquisa dá conta de observar a eficiência de drogas contra uma série de vírus e bactérias: para isso, o indivíduo é deliberadamente ferido (com tiros ou incisões) e os agentes infecciosos são nele introduzidos. Depois disso, os medicamentos em questão são ministrados ao paciente, e sua reação é seguida de perto pelos enfermeiros. Um segundo grupo de infectados não recebe os remédios, de tal forma que os estudiosos possam comparar a evolução da doença e avaliar a eficácia dos entorpecentes. Para aperfeiçoar o método, os doutores germânicos passaram a introduzir também vidro e madeira na carne de suas cobaias, simulando assim as reais condições de recuperação dos feridos em campo de batalha.
...
Cútis tatuadas - A lista de sevícias prossegue em Dachau, onde o médico-chefe Sigismund Rascher comanda um verdadeiro matadouro humano - desta vez, não apenas com fins ditos científicos, como também puramente estéticos. Os documentos revelam ser uma prática comum nos campos de concentração a remoção da pele de prisioneiros mortos para a confecção de bolsas, chinelos, luvas e cúpulas de abajur, entre outros artefatos. Cútis tatuadas têm especial valor nesse mercado. Quando não há mortos suficientes para atender à demanda, Rascher encomenda o corpo de 20 ou 30 prisioneiros sadios, que são alvejados no pescoço ou estrangulados para que a região do peito e das costas - as mais nobres para tal manufatura - não seja danificada.

Rascher também montou uma estrutura para estudar os efeitos da baixa temperatura da água em seres humanos, com o intuito de reavivar aviadores que caem nos oceanos. Prisioneiros de Dachau são imersos em tanques de águas gélidas até que fiquem inconscientes; em seguida, os médicos extraem amostras de sangue, que são testadas cada vez que a temperatura corporal da cobaia cai um grau - a medição é realizada com o auxílio de um termômetro retal. Depois da remoção do indivíduo do tanque, são feitas tentativas de reanimação com água quente, eletroterapia ou calor animal; para este último teste, o corpo do homem inconsciente é colocado entre o de duas prisioneiras. Pouquíssimos sobrevivem; estes, todavia, são enviados para o bloco dos inválidos e executados em seguida. O que diria Hipócrates de tão perjuros discípulos?

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